Tem coisas que, de fato, só acontecem comigo. Vejam esse caso, da velhinha dos trovões. Recordava-me, quando ainda estava hospedado na casa do Marcelo, no apartamento 1.005 do mesmo prédio, de uma senhora já bastante velhinha, se eu não me engano já com seus 89 anos... que tocava piano por lá, no apartamento ao lado. Como se não bastasse, a simpática senhora o fazia de portas abertas, para que o som pudesse reverberar com mais qualidade e ela pudesse sentir prazer com o toque de cada tecla daquele maldito piano. Lembro até que em uma descida de elevador, sem eu perguntar, ela me contou que o marido dela, que trabalha com jóias, mudou-se de lá para ter mais tranqüilidade para trabalhar: “Assim eu não atrapalho ele com o piano, e ele não me atrapalha com as jóias”, diza a vovó na ocasião.
Confesso que no início eu até gostava do som. Achava bacana ela tocando músicas da época dela e tudo mais. No entanto, em dias mais tensos, eu chegava a compara-la com aquela senhora do filme “Duplex”, uma porcaria de filme que eu vi 5 vezes no ônibus executivo da Atual que faz a linha Juiz de Fora/Belo Horizonte. Eu sempre pagava a mais para, na hora h, ser surpreendido mais uma vez com aquela droga de filme que tinha uma vovó insuportável.
Mas voltando à velhinha do 1.003. Quando mudei me para o sétimo andar nunca mais a vi. Cheguei até a pensar em perguntar para o Marcelo se tal senhora havia falecido se mudado ou coisa do tipo. Mas eis que há uma semana tive o prazer de reencontrar a velhinha, ainda saudável, caminhando pelos corredores do sétimo andar.
Não deu tempo nem de eu imaginar o que a pobre vovó estava fazendo ali, pois ela já foi logo se explicando, enquanto eu saía do elevador.
“Aí, desculpe eu estar aqui, mas é que tenho medo de raio, de trovão e meu apartamento é de frente... vem tudo na minha janela”, foi logo dizendo a apavorada velhinha, cujos olhos esbugalhados pareciam duas jaboticabas maduras prontas a explodir. Ela estava apavorada!
Fiquei com uma dó tremenda da vovó que, em 89 anos, ainda não aprendeu a conviver com os relâmpagos e trovões. Provavelmente desde a infância haviam superstições relacionadas a isso, ainda no início do século passado. Ou sei lá... pode ser algum trauma qualquer.
O certo é que lá estava a vovó, em uma escuridão tremenda, caminhando pelo sétimo andar, sem sequer acender as luzes, em um breu só quebrado pela iluminação do elevador que anunciava a minha chegada. E o fato é que fiquei sem saber o que fazer. Meu apartamento também é de frente e eu não tinha como convidar a vovó para ficar aqui. Não ia adiantar nada. Sugeri então que ela pegasse o elevador e fosse até a portaria. Mas não sei se ela foi.
Também não entendi o critério pelo qual ela escolheu o 7º andar do prédio. Imagino que, da mesma forma que ela não queria ficar em um apartamento de frente, ela não queria estar muito na ponta do prédio, onde imaginou que os raios tivessem mais chances de acertá-la. São 13 andares, então ela desceu para o sétimo... que está mais ou menos na metade e ficou lá. Faria sentido né?
Mas como eu não podia ficar ali fazendo companhia para a pobre velhinha, tive que manda-la mesmo para a portaria, que não está no meio do prédio, mas pelo menos tem um porteiro que possa ampara-la e acalma-la, aliviando o drama dos raios e trovões.
Contei essa história para mostrar que não apenas os solteiros, sozinhos e sem empregada passam dramas em suas green houses. Também as casadas (que expulsaram o marido a toques de piano com requintes de crueldade), sozinhas e sem acompanhantes sofrem com as intempéries do dia-a-dia.
domingo, 18 de novembro de 2007
A velhinha dos trovões
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Essa distinta senhora é minha vizinha, como adiantou o Ricardo. Ele presenciou apenas uma história com ela, mas eu as vivo todo dia. Primeiro que o piano é insuportável porque a velha toca as mesmíssimas músicas (que são duas ou três, apenas, sempre na mesma ordem). Segundo, que ela mantém a porta aberta não apenas pra tocar piano, mas pra fins obscuros. Um deles, creio, é espiar os vizinhos de trás da porta aberta.
Explico: quando minha namorada decide ir embora daqui de casa tarde da noite, eu a levo até o carro na rua. Ainda no corredor do prédio, a gente fica esperando o elevador, que é de frente pro apt da velha. Numa madrugada dessas, lá pelas 2h da matina, a porta dela estava aberta. Era possível ver uma sombra se mexendo por baixo da porta, deixando claro que a doce velhinha estava atrás olhando pelo olho mágico (então por que não fazer isso de porta fechada?, me perguntei...).
Nesse mesmo dia, ao subir de volta, abro a porta do elevador e... BUUUU... está aquela senhora de camisola (!), com óculos escuros enoooooormes (!!) fechando o basculante do corredor (!!!). Ela se assustou comigo e já saiu falando: "ô meu filho, é que tem uns morcegos que ficam fazendo barulho aqui, então vim fechar". Isso, sem levantar os olhos pra mim. Arrepiado, voei pro meu apartamento. Vai que ela decide me trancar no apt dela e sabe-se lá fazer o quê...
O negócio é que histórias com essa velha não faltam. Ela sempre, sempre, sempre, está de óculos escuros. Aqueles cabelos brancos em corte chanel não me enganam: eu acho que ou ela está morta e é um fantasma ou ela guarda o corpo (ou parte dele) do marido dentro de casa e desconfia de todo mundo que circula por ali.
Vai ver, à Hitchcock, o corpo do marido está é dentro do piano. Eu, hein.
E outra. Que porcarias são essas de morcegos que eu nunca vi nem ouvi aqui no prédio? Essa dona é louca. No mínimo o marido dela faz performances travestido de batman. aff!
Postar um comentário