sábado, 29 de março de 2008

Solteiro sério - Plataformas de embarque

Perdoe-me quem vem aqui apenas para se divertir com textos engraçados. Isso continuará acontecendo. E perdoe-me os que esperam há dias um novo texto. Mas, antes, preciso postar um outro texto meu... que não tem nada de engraçado. Mas é importante. Não precisa ser nem solteiro, nem sozinho, nem sem empregada para sentir saudades. E perdoem-me o sumiço também. Espero que também tenham sentido saudades. E boas saudades. Abraços a todos.





Plataforma de embarque
"Senhoras e senhores passageiros: em 15 minutos, ônibus de partida para o seu destino. Dirijam-se à plataforma de embarque e tenham todos uma boa viagem".
A voz fúnebre dos locutores de rodoviária não é apenas um detalhe. E a frase uma sentença de morte. Inevitável e triste pra quem fica, mesmo que se trabalhe sempre com a hipótese de que as pessoas vão voltar. Abre-se o bagageiro.
É hora de guardar os pertences. Largar o que tiver na mão. Melhor para dar o abraço, ou tocar a nuca enquanto dá um beijo quente ou carinhoso. Normalmente é carinhoso, daqueles que parecem tentar dizer para que a outra boca não se vá.
As portas do bagageiro vão se fechando enquanto, em fila, cada um parece respirar fundo antes de entrar no ônibus que é como uma caixinha que irá guardar e levar pra longe as esperanças de quem fica.
Apresentada a passagem, são quatro degraus. Quem fica do lado de fora costuma contar. As janelas nunca foram tão opacas. É difícil ver direito lá dentro.
Quem fica, fica com os braços cruzados, fica apoiado... apoiando-se em si mesmo. Que outra opção há? Quem tem a sorte de estar acompanhado, bota a mão no ombro do outro, mas nem conversa. O pai e a mãe não querem perder tempo falando um com o outro se a filha está já sentada e acomodada no banco, para ir para longe deles. Nessa hora, mesmo sabendo que ele vai voltar, eles imaginam, embora não aceitem... que os filhos que criaram... criam asas.
E voam...
O tio ainda consegue puxar assunto com o namorado da outra garota que dá um aceno como quem diz: "agora podem ir". Mas ninguém vai. A partir dali é como fato consumado. Não há o que fazer. As pessoas não descerão do ônibus.
Não o que impeça o crescimento contínuo da distância que as próximas horas vão proporcionar. O homem que cuida do bagageiro entra no ônibus, não permanece três segundos. Entrega um rolo de papéis ao motorista. É a ordem para que os corações se apertem, e a cabeça de quem fica se encha de indagações: "Qual pode ser o meu último gesto?". Normalmente o gesto não é nada do que se pensava.
Todo mundo acena. Todo mundo responde. Mas todo mundo sabe exatamente pra quem é cada aceno. Nenhum deles se perde no ar, e ninguém vê outro que não o seu.
O ônibus começa a andar e a cada giro que a roda dá o ângulo que você procurou com tanto cuidado para ver quem está dentro piora. A imagem desfoca... Não adianta. Você muda de lugar, dá um passo para trás. Ameaça ir embora, mas o ônibus vira e vai se perdendo no horizonte. As pilastras parecem mais largas, e o ônibus que desaparece de um lado custa a reaparecer do outro. Você já não vê mais quem está dentro. Mas continua vendo o veículo se deslocar. Ele passa a simbolizar a pessoa que você vê ir...
Agora sim. O ônibus se foi. Você retorna à realidade. Pensa o que tem que fazer. Caminha até a saída da plataforma. As escadas são mais longas, o caminho é mais difícil. Se é um dia frio, fica mais frio. Se é quente, fica mais quente. É engraçado como as pessoas que estavam ali, juntas, acompanhando a saída do ônibus desaparecem. Cada um parece ter procurado um canto pra se refazer. Mas ninguém se refaz. As plataformas de embarque possuem um sério problema. Elas são apenas de embarque. Quem vai até elas vai sempre cumprir o destino de ver sumir no horizonte quem até pouco tempo estava ali, do lado, te enchendo de sorrisos no rosto. Vai a pessoa, fica a saudade. Não era para ser o contrário? Afinal nem o nome soa bem: "partidas". Faz muito mais sentido que houvesse apenas "destinos". Rodoviárias deveriam ter apenas plataformas de desembarque.

8 comentários:

Vívian Soares disse...

O mais difícil é a gente mesmo entender que criou asas... Mas ter um destino muitas vezes é bom: a gente deixa alguém com saudade para trás, mas vai matar a saudade de alguém que está nos esperando, no ponto final. Saudade de vc, danado!!!

Anônimo disse...

Nossa...se eu tivesse lido isso há uns 2 anos, quando eu saí de casa,, eu morreria de chorar!
Acabou que pela repetição dessa cena na minha vida...ela foi sendo absorvida e de certa forma "acostumei".
Mas, como disse a Vivian, se a gente sempre deixa alguém, pode ter sempre alguém esperando a nossa chegada.
Ou nem que não seja alguém, mas um mundo novo a nossa espera.
Abraços moço!

Vanessa Oliveira disse...

Esse texto eu já conhecia...

Saudades também. ;o)

Anônimo disse...

Pensava que era só comigo esse drama..rsrs

Anônimo disse...

Não entendi a melancolia. A namorada veio passear e voltou pra sua cidade, é? Chiiiiiiiiiiiiiii... vou contar pra sua mãe, kkkkkkkkkkkkk

Unknown disse...

Ai Ricardo, que lindo, que triste, que melancólico e poético!!! Você é mesmo uma caixinha de surpresas preciosas!! parabéns pelo texto mais uma vez brilhante, digno de você! Beijos da amiga lora

Rodolfo Oliveira disse...

Nossa... lembrei de quando saí de casa 2 anos e meio atrás. Meus pais nunca foram comigo até a plataforma, talvez para não sofrer, mas eu já levei muita gente até seu ponto de partida... cara, que tristeza que me deu ler isso agora... mas é bacana ver que apesar de tudo isso só faz o carinho aumentar pelas pessoas que se despedem!! Mandou bem no texto irmão, captou tudo que era necessário...
Grande abraço pra ti!

Unknown disse...

Lindo!